Bat’leth: Uma Palavra masculina ou feminina?
Bat’leth: Uma Palavra masculina ou feminina?
Depois que lancei um artigo aqui, onde usava a palavra em Klingon “Bat’leth”, que significa “Espada de Honra”, como uma palavra masculina, recebi uma pergunta em nossa página do Facebook, com uma dúvida gramatical: O correto seria “O Bat’lath” ou “A Bat’leth”? Eu simplesmente fiquei com aquela vontade de ir mais a fundo no tema, já que não consigo ver uma nerdice deste tamanho sem resposta. Muito obrigado, Estefania, pela oportunidade! Arregacei as mangas e iniciei minha jornada.
A questão complica visto que originalmente em inglês, língua original da série, sempre falam “The Bat’leth”, com um gênero neutro. Em português, não temos gênero neutro. Podia ter me contentado com a ideia que Bat’leth deveria herdar o gênero de sua tradução para o português. “A Espada de Honra”, logo “A Bat’leth”. Esta resposta simplesmente inquietou o monstro que estava acordado dentro de minha cabeça, fazendo um barulho danado.
Vamos olhar mais de perto
Em uma pesquisa rápida no Google, obtive 89 resultados para “uma Bat´leth” e 72 para “um Bat’leth”. Resultados próximos demais para serem usados como uma resposta satisfatória, mas, ainda assim, um “segundo ponto” para o lado feminino da palavra. Mas ainda enxergava duas tendências conflituosas com o “gênero” da palavra. Ela parece querer ser masculina, porque não termina em “-a” ou “-ona”, mas ela parece querer ser feminina visto que “espada” é feminina.
Me dirigi a maior fonte de conhecimento Trekker da internet, o “Memory Alpha”. Como esperado, em Inglês fiquei na mesma dúvida, mas tanto em Italiano quanto em Espanhol ela é uma palavra feminina, já em Alemão ela tem gênero neutro. Fica no ar se, a neutralidade na língua alemã também veio da palavra “espada”, visto que “das Schwert” também é neutra. Neste ponto eu já estava praticamente convencido que o correto seria “A Bat´leth”, mas já cheguei até aqui, porque parar agora?
Peguei meu bom e velho Dicionário da Língua Klingon, e esperava encontrar a resposta facilmente, em letras garrafais vermelhas. Nada disso, nada que valha tanto a pena, seria tão fácil. Entrei então em contato com o “Instituto da Língua Klingon” a fim de receber a resposta definitiva. E após ter sido muito bem recebido por todos, descobri que esta não é uma questão simples, e encontrei divergências de opiniões entre os membros do instituto, que estava se divertindo com a situação. Me falaram que é uma ótima pergunta, principalmente para um iniciante, e para eu continuar minha busca e retornar com a resposta.
Um pouco de gramática
De volta a campo! Mas antes, uma breve parada para aprofundar-mo-nos na Gramática Klingon. Em Klingon, existe a palavra “homem” (loD) e a palavra “mulher” (be’), mas não existe a diferença de “gênero” em palavras. Principalmente porque, como me foi apontado, “palavras não tem órgãos sexuais para terem gênero”. A diferença nos substantivos, está entre as palavras que representam “seres capazes de linguagem” e as que representam os que “não são capazes de linguagem”. E para complicar levemente as coisas, a diferença só é vista nos marcadores de pluralidade, em pronomes e nos possessivos.
Por exemplo, “mulher” (be’) representa um “ser capaz de linguagem” recebe o marcador de plural (-pu’) para dizer “mulheres”, ficando: be’pu’. Já “nave” (Duj), não sendo capaz de linguagem recebe o marcador de pural –mey. Logo o plural de “Duj” é “Dujmey” (Naves). Lógico que é mais complicado que isso, mas serve como primeiro passo para um estudo muito mais aprofundado no futuro.
Um pouco da história da língua Klingon
Na série original de Jornada nas Estrelas, a língua Klingon, ou Klingonese, nunca foi falada. Somente se fez necessárias as primeiras palavras para Jornada nas Estrelas – O Filme [Star Trek – The Motion Picture], sendo desenvolvida por Hartmut Scharfe, James Doohan (Sim, o Scotty!) e Jon Povill. A princípio Roddenberry não estava feliz com o resultado que estavam tendo com a sonoridade da língua, sendo possível reconhecer algumas palavras. Ele comentou isso com Dooham durante o almoço, que sendo um entusiasta linguista disse: “Eu faço para você depois do almoço…”. E de fato fez, pegando inspiração do Mongol e “cortando todas as vogais possíveis”.
Mais tarde a língua se desenvolveu com o avanço da série, e Mark Okrand expandiu o léxico durante Jornada nas Estrelas III: A Procura de Spock [Star Trek III: The Search for Spock]. Hoje é uma das línguas construídas mais amadas pelo mundo Nerd, acompanhado obviamente do Sindarin de Tolkien. É possível aprender Klingon através do Intituto de Linguas Klingon, de uma boa quantidade de livros e dicionários existentes ou até pelo Duolingo!
E a tradução oficial, o que diz?
Em Jornada nas Estrelas: A Nova Geração [Star Trek: The Next Generation], no sétimo episódio da quarta temporada, Reencontro [Reunion], que marca a primeira aparição da arma na série. Worf mostra a arma que está em sua família há dez gerações, para Alexander, seu filho. E é traduzido como “Um Bat’leth” tando na legenda quanto na dublagem, e quando falando sobre o tempo em que a arma está com eles, na dublagem ele diz “ELE está em minha família…” enquanto na legenda fica apenas como “está em minha família…”.
Aqui encontramos talvez uma resposta “oficial”, partindo da premissa que existirá um padrão nas traduções no decorrer da série, algo que acho pouco provável. Tradutores mudam, e tradutores subsequentes nem sempre se preocupam com continuidade. Não que seja culpa do tradutor em si, mas talvez não seja feito um trabalho de documentar como que tal termo foi traduzido pela primeira vez para que futuramente se mantenha coerente, e nem sempre existe tempo para procurar em obras anteriores devido ao escasso tempo para o trabalho.
Mais ainda, mesmo quando existe uma continuidade nas traduções, existem casos onde uma mudança é proposital e intencional. Como aconteceu com as obras de J.R.R Tolkien agora que a Harper Collins Brasil é a nova editora responsável pelos livros em território nacional. Só como contexto, as palavras “Orc” e “Goblin”, agora serão substituídas por “Orque” e “Gobelim” respectivamente. Os motivos da mudança são defensáveis e a rejeição sofrida pelos fãs também. Uma análise para outra hora, talvez. Para saber mais, entre em www.tolkienbrasil.com/
Mas por quê?
Agora temos um argumento bem sólido que o correto seria dizer “O Bat’leth”, mas quando uma resposta e encontrada, uma nova pergunta toma a frente: Porque a tradução fez esta escolha? Infelizmente não temos acesso ao responsável por esta tradução, a fim de perguntar diretamente na fonte, mas certamente podemos especular.
Após algum tempo ponderando e pesquisando mais, a pergunta veio: Como costumamos usar palavras “emprestadas” de línguas estrangeiras em português? Como regra, ao utilizar uma palavra estrangeira, existe uma tendência a manter o gênero da língua de origem, com uma exceção com o gênero neutro, onde convertemos, em Português, para o masculino. “O Drive-Thru”, “O Delivery”, “O Hamburguer”, “O Milkshake”… acho que devo estar com fome. Mas o padrão vale também para palavras que não vieram de meu estômago, como “O Outdoor” ou “O Notebook”, “O Username e O Password” e por ai vai.
Me foi apontado que em Francês, a regra é considerar estas palavras emprestadas como masculinas. “le parking”, “le week-end”, mesmo caso o equivalente francês mais próximo for feminino, como “la fin de samaine” no caso de “weekend” (final de semana). Lógico que nem tudo são flores no mundo das traduções e empréstimos linguísticos, sempre existem exceções. Em francês se usa “la common law” (Lei Comum), como feminino, mas a expressão relativa em francês “le droit anglais” (ou “le droit commun“), é masculino!
Onde isso tudo nos trouxe?
Acredito termos alcançado uma resposta minimamente satisfatória, pelo menos por enquanto. Bat´leth em Português é uma palavra masculina. Tanto pela referência canônica da primeira tradução feita, como por um embasamento teórico linguístico de o por que teria sido feita desta maneira.
Como se diz em Italiano, “Traduttore, Traditore” (“Tradutor, traidor”), visto que todo tradutor se vê obrigado a trair o texto original, ao criar um “novo texto” em uma outra língua, diante da “impossibilidade teórica da tradução”. Mas isto é, talvez, tema para uma outra discussão.
Sei lá…..creio que a regra que usam (para a tradução) é a mesma como nos nomes de tipos de espadas que são ‘o’ sabre, ‘o’ florete, ‘o’ alfange, ‘o’ mosquete, ‘o’ gládio…… ‘A’ espada enquanto genérica é termo feminino, mas nomes de tipos de espada não-raro são no masculino.
É um ótimo argumento! Provavelmente para a tradução inicial tenham cogitado algo assim também. Muito obrigado!