Star Trek Discovery – Segunda Temporada – Episódio 06 – O Som do Trovão – Review
O Som do Trovão [The Sounds of Thunder], o Sexto Episódio da Segunda Temporada de Star Trek Discovery, tem o título emprestado (ou quase, o título original é “Um Som do Trovão” [A Sound of Thunder]) do conto de Ray Bradburry que fala sobre Viagem no Tempo, Safáris Jurássicos e Efeito Borboleta. Mas será que o roteiro de Bo Yeon Kin e Erika Lippoldt, se mantém em pé de igualdade ao texto de um dos Maiores Escritores de Ficção Científica da História? Vamos olhar mais de perto.
O Som do Trovão
Erika Lippoldt e Bo Yeon Kintem são parceiras criativas e em seu currículo, a série “Reign” e alguns roteiros da conturbada Primeira Temporada de Discovery. Elas escreveram o roteiro do terceiro episódio de Short Treks, A Estrela Mais Brilhante, e me parece bem lógico que tenham escrito O Som do Trovão, que é uma continuação da história de Saru, seus conterrâneos Kelpian e os misteriosos Ba’ul, iniciada no curta-metragem.
A busca pelo tal “Anjo Vermelho” que sempre aparece nos locais onde aquelas grandes bolas vermelhas aparecem, levam a tripulação da Discovery, comandada pelo Capitão Christopher Pike (Anson Mount), para Kaminar, planeta natal de Saru. Chegando lá, eles descobrem que os pontos vermelhos acabaram de desaparecer, prolongando esta brincadeira de “gato e rato” que vem acontecendo desde o começo desta temporada.
Em algum ponto, é feito contato direto com os Ba’ul, a raça dominante do planeta, predadores dos Kelpien, e possuidores de tecnologia de viagem mais rápida que a luz, tornando assim possível o contato da Federação com eles. A questão é: Os Kelpien vivem em uma Sociedade Pré-Dobra (Que ainda não alcançaram uma tecnologia para viagens mais rápidas que a velocidade da luz), com um nível tecnológico extremamente subdesenvolvido, e tornando proibida a comunicação, de acordo com a Ordem Geral Número 1 da Frota Estelar, ou como é mais comumente conhecida: A Diretiva Primária.
A Diretiva Primária
“O juramento mais solene de um capitão de uma nave estelar é que ele dará sua vida, até mesmo de toda a tripulação, em vez de violar a Primeira Diretriz.”
– James T. Kirk, 2268 – A Glória de Ômega [The Omega Glory]
A Diretiva de Não Interferência, foi a personificação de um dos princípios éticos mais importantes da Frota Estelar: a não interferência com outras culturas e civilizações. Em sua essência, o conceito filosófico cobre que pessoal da Frota Estelar deveria abster-se de interferir no desenvolvimento natural, não assistido, das sociedades, mesmo que tal interferência fosse bem intencionada. A Primeira Diretriz era considerada tão fundamental para a Frota Estelar que os oficiais juraram defender a Primeira Diretriz, mesmo ao custo de sua própria vida ou da vida de sua tripulação. Ela é tão importante, que continua sendo usada, mais de um século no futuro, na época em que um outro grande Capitão da Frota Estelar disse:
“A Primeira Diretriz não é apenas um conjunto de regras; é uma filosofia … e uma muito correta. A história tem provado repetidas vezes que sempre que a humanidade interferir com uma civilização menos desenvolvida, não importa quão bem intencionada seja essa interferência, os resultados são invariavelmente desastrosos“.
– Jean-Luc Picard, 2364 – Simbiose [Symbiosis]
Existem diversas sub-ordens que falam sobre a não interferência, abordando diversos temas.
- Fornecer conhecimento de outros mundos habitados (TOS: “Pão e Circo” [Bread and Circus], TNG: “Primeiro Contato” [First Contact])
- Fornecer conhecimento de tecnologias ou ciências (TOS: “Uma Guerra Particular” [A Private Little War]; VOY: “Zelador” [Caretaker])
- Tomar ações para afetar o desenvolvimento geral de uma sociedade. (TOS: “Padrões de Força”[Patterns of Force], TNG: “Quem Observa os Observadores” [Who Watches The Watchers]),
- Tomar ações que apoiam uma facção em uma sociedade em detrimento de outra. (TOS: “A Gloria de Ômega” [The Omega Glory], TNG: “Um Breve Regreço”[Too Short a Season]
- Ajudar uma sociedade a escapar das consequências negativas de suas próprias ações (VOY: “Mais Uma Vez” [Time and Again], “Trinta Dias”[Thirty Days])
- Ajudar uma sociedade a escapar de um desastre natural, mesmo se a inação resultasse na extinção de uma sociedade. (TNG: “Correspondentes” [Pen Pals], “Volta ao Lar” [Homeward], “Perfeição” [The Master Piece Society], Jornada nas Estrelas: Além da Escuridão [Star Trek: Into Darkness])
- Subvertendo ou evitando a aplicação das leis de uma sociedade (TOS: “Um Lobo entre Cordeiros” [Wolf in the fold]; TNG: “Justiça”[Justice])
- Interferir nos assuntos internos de uma sociedade. (TOS: “Padrões de Força”[Patterns of Force], TNG: Symbiosis [Simbiose], “Reencontro” [Reunion], Redenção, Partes 1 e 2 [Redemption, Parts 1 and 2], “O Preço” [The Price], DS9: O Círculo [The Circle], “Inter Arma Enim Silent Leges” [Inter Arma Enim Silent Leges]; VOY:“Trinta Dias”[Thirty Days])
Levando em consideração que o século 23 de Kirk era muito mais permissivo em relação a Primeira Diretiva, que o século 24 de Picard, devemos tentar analisar as ações da Tripulação da Discovery pelos mesmos padrões que as ações de Kirk.
Gostaria de chamar a atenção para as sub-ordens números 3 e 4. “Tomar ações para afetar o desenvolvimento geral de uma sociedade.” e “Tomar ações que apoiam uma facção em uma sociedade em detrimento de outra.“, respectivamente. Dois itens que a tripulação da Discovery não teve o menor ressentimento de quebrarem, como será mostrado em breve.
A Disputa entre os Kelpien e os Ba’ul
Através de uma grande bola espacial encontrada em outro episódio, a tripulação da Discovery ganha o conhecimento que, em um passado distante, a relação de “Predador e Presa” entre os dois nativos de Kaminar era invertida. Dois mil anos atrás, os Kelpiens eram os predadores, e os Ba’ul as presas, quase levando os Ba’ul a extinção. Isso seria esperado de qualquer coexistência entre duas espécies sencientes. Através de desenvolvimento tecnológico os Ba’ul conseguiram inverter esta situação para uma favorável a eles, assim como nós fizemos em algum ponto de nossa própria história.
Nos humanos somos notoriamente inferiores fisicamente que praticamente todas as outras espécies de seres vivos de nosso planeta, e em algum ponto da nossa história, nos pegamos nossa primeira ferramenta (Um Porrete), e conseguimos bater muito forte na cabeça de nosso oponente fisicamente superior. A partir deste ponto, nós mudamos o rumo de nossa história, e passamos de presa, a predador. Isso nos proporcionou maior quantidade de nutrientes, que permitiram nosso cérebro se desenvolver mais efetivamente, e assim criarmos outras ferramentas mais eficientes.
Através da tecnologia, nós, Homo-Sapiens e Ba’uls, sobrepujamos nossos predadores e nos colocamos no topo da cadeia alimentar do planeta, desfrutando de todas as benesses que vem com o título de “Espécie Dominante“. Se seguirmos a tese defendida no episódio “O Som do Trovão“, nós seremos então “culpados” por ocupar nosso local em nosso planeta. O que deveríamos fazer então, abdicar de toda a nossa civilização e deixar que os animais nos cassem novamente?
Os Ba’ul, estavam apenas preservando sua espécie, que é um instinto básico de todo ser vivo! Agora, os Ba’ul poderiam ter eliminado os Kelpien de Kaminar, visto que eles dispunham da tecnologia para executar o genocídio de seus antigos predadores. Entretanto, eles encontraram uma maneira que permitisse as duas espécies coexistirem: Mantiveram os Kelpien sem que pudessem atingir o Vahar’ai, uma espécie de “puberdade” que permite que eles passem por mudanças biológicas tornando-os perigosos para os Ba’ul, através de um ritual chamado de “O Grande Equilibrio“. Os Kelpiens que apresentassem seus “gânglios inchados“, esta não sendo uma referência a puberdade, deveriam ser levados e abatidos pelos Ba’ul. Tudo que os Ba’ul estava fazendo era exercendo a “legítima defesa“. Eles não foram genocidas, eles simplesmente “cessaram o risco” para sua população.
Entra a Discovery
A bordo da Discovery, Saru está passando por sua crise hormonal da puberdade, e esta aprendendo a lidar com seu novo corpo e com todas estas novas sensações. Após um ato de insubordinação a seu Capitão, Saru é retirado da ponte de comando, exatamente como deveria ser. Ele resolve sair da nave por conta própria, apenas para colocar mais lenha em uma fogueira que já estava saindo do controle. Obviamente ele é capturado pelos Ba’ul, que sabem que ele é o primeiro Kelpien a passar pelo Vahar’ai em dois milênios.
Na ponte de comando, nossa heroína Michael Burnham, informa o capitão que a primeira diretiva não se aplicaria e que poderiam proceder sem nenhuma preocupação. Capitão Pike, agora tendo recebido a bênção de Burnham, decide usar a informação obtida com a “grande bola espacial” e induzir artificialmente o Vahar’ai em toda a população Kelpien de Kaminar, desbalanceando o sistema estabelecido pelos nativos do planeta.
Aparentemente o Capitão Pike não teve qualquer preocupação com as repercussões de suas ações:
- Primeiramente, nenhum Kelpiano foi (ou poderia ter sido) consultado sobre sua vontade passar por um procedimento médico experimental.
- Ao devolver o “direito” da posição de predador aos Kelpiens, Pike não cogitou que isso poderá levar a uma rebelião Kelpiana contra os Ba’ul.
- Caso esta hipotética rebelião ocorra, os Ba’ul ainda são possuidores de tecnologia infinitamente superior aos pequenos espetos que os Kelpiens agora podem atirar pela nula. Dado o medo histórico justificado que os Ba’ul tem, Pike somente colocou os Kelpien em uma posição de risco! Certamente os Ba’ul irão novamente usar sua tecnologia superior para garantir sua segurança, e é cabível crer que desta vez será uma solução permanente.
A Tripulação da Discovery, estava emocionalmente próxima do caso, dato que um dos tripulantes tinha interesses pessoais no caso e Burnham se importa com ele desde o episódio passado. Em ponto algum a possibilidade de “informar a Frota Estelar” ou “pedir instruções” foi cogitado. Tudo foi resolvido diretamente na ponte de comando, quebrando todos os protocolos possíveis.
Em nenhum ponto, foi cogitada uma “saída diplomática” para a questão. Talvez mostrar para os Ba’ul que Saru passou pelo Vahar’ai e que continua atuando como um membro produtivo de uma comunidade de outras espécies, possibilitando aos Ba’ul uma possível reavaliação do caso.
Ainda sob uma outra perspectiva, Saru mesmo admite que de muitas maneiras a vida em Kaminar era um paraíso! Eles viviam em harmonia, em um mundo sem pobreza ou fome. A única violência conhecida por eles, era o abate. Mas mesmo em alguns casos, que não temos como saber o quão comuns são, os Kelpiens vivem o bastante para se tornarem o que consideramos “idosos”, tendo o pai de Saru como evidência.
A missão era investigar o Sinal Vermelho, que não estava mais lá quando eles chegaram. Eles poderiam ter estudado a aparição do Sinal Vermelho sem mexer com o destino de um mundo inteiro. Mesmo esta sendo a intenção do Anjo Vermelho, seguir cegamente sua orientação contra todo o protocolo e razão é um caminho no mínimo, perigoso.
Conclusões
Para uma série que em sua segunda temporada quer nos mostrar que acabaram de sair de uma guerra e não querem causar outra, como Tyler tenta ensinar seu capitão; Pike tendo sido treinado em diplomacia, chegou com sua nave, invadindo território alheio; território este que a própria Federação concordou 20 nos antes de “não interferir nos assuntos internos do planeta” indo de encontro com a diretiva primária; e usou tudo que tinha a seu favor para atacar os Ba’ul injustificavelmente.
O mais preocupante é, em uma tripulação já tão acostumada com insubordinação, assassinatos e motins a bordo, ninguém se levantou contra as atitudes lideradas por Pike. Estes são os representantes da Federação atualmente.
Eu estava relativamente esperançoso pelas mudanças do começo da temporada, mas a cada episódio que passa, a esperança corre mais fina. Este episódio me deixa preocupado sobre a forma que a federação irá ser mostrada de agora em diante, principalmente com a Sessão 31 não mais trabalhando nas sombras.
Histórias com Temas Parecidos
- Fuga do Século 23 [Logan´s Run, 1976]: Filme de Michael Anderson que ganhou um Prêmio Especial da Academia por seus efeitos visuais e 6 Prêmios Saturn, incluindo o Melhor Filme de Ficção Científica. Em 1977, uma série de TV foi ao ar, embora apenas 14 episódios tenham sido produzidos. Em um Futuro Distópico onde a humanidade vive em um conjunto de cúpulas, a sociedade é controlada por um computador que toma conta de todos os aspectos da vida. Para monitorar os recursos e a superpopulação, aos 30 anos, a pessoa é vaporizada no que é chamada de “Carrossel” e “Renasce“. Qualquer um que tenta escapar isso é chamado de “Runner” (algo como fugitivo) e é responsabilidade dos Sandmen caçá-los.
Veja nossa discussão sobre o episódio em vídeo!
Pensamentos Soltos no Espaço
- Aquele Chá que Saru toma com sua irmã Siranna, deveria se chamar: Sharu!
- Porque a irmã dele não se chama Saruna?
- O Saru é banguela? Porque eu nunca reparei nos dentes dele, enquanto os da Siranna são tão protuberantes!
- Os Ba’ul, que parecem uns seres feitos de piche, serão da mesma espécie de nosso grande herói e salvador que tirou Tasha Yar de The Next Generation em “A Essência do Mal” [The Skin of Evil]
- A pobre Primeira Diretiva está mais quebrada que a cara do Rocky depois da luta contra Ivan Drago.
- Tyler pegou o Tablet de Pike como se fosse uma caneta Bic, que vai mudando de dono.
- A Discovery assumiu que os Ba’ul são maus, somente porque são feios e parecem piche? Parece que Kirk estava correto quando falou que “este é o último dos preconceitos“. Se algo é feio, logo é mau.
- Por outro lado, um episódio que possibilita esta quantidade de discussões como estou vendo pela internet, deve ter feito algo certo.
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