Resenha do Livro: “O Messias de Duna” – Frank Herbert (1969)
Em “O Messias de Duna”, o segundo volume da grandiosa “Saga Duna”, Frank Herbert nos coloca pouco mais de uma década após os eventos do primeiro livro da saga, nos entregando uma história com um “escopo menor”, nos transferindo do plano político-social para o do psicológico e do autoconhecimento. Isso sem nunca deixar de lado as repercussões dos acontecimentos de “Duna”, explorando o que acontece quando “o escolhido” se torna imperador de todo o universo conhecido.
Paul Atreides, o Kwisatz Haderach, depois de derrotar os Harkonnen e ter um casamento político com a Princesa Irulan, é agora Imperador de todo o universo conhecido, e uma Jihad é erguida em seu nome pelos Fremem, que agora se espalham pelo universo conquistando planeta após planeta. As habilidades prescientes de Paul haviam permitido que ele previsse isso, porém, ao melhor estilo dos “heróis trágicos”, pouco pode Paul fazer para impedir que seu nome seja usado como “arma de destruição”.
Herbert vai ainda alguns passos a mais – ou seriam quilômetros? – quando nos coloca Paul e Silgar discutindo a respeito dos conquistadores dos “tempos antigos”. Extremamente antigos, levando-se em conta que a Duna se passa aproximadamente vinte mil anos no futuro! Os dois reexaminam as conquistas de Gengis Khan e Hitler, e Stilgar simplesmente se limita a expressar que “não são estatísticas muito impressionantes”. Neste momento Paul já teria “dizimado cerca de sessenta e um bilhões de pessoas e esterilizou noventa planetas e desmoralizado outros quinhentos”, em “uma estimativa conservadora”… Nesta tão curta cena, Herbert coloca em perspectiva o tamanho da destruição que é causada pela Jihad de Muad’Dib, assim como nos coloca para pensar em quantas atrocidades não teriam sido feitas em nome dos líderes.
Ainda no tema da presciência de Paul, o livro expande em como estes “dons”, estes “super-poderes”, essas “habilidades especiais” não seriam na verdade “maldições”. Quanto mais poderoso Paul se torna e mais “futuros possíveis” ele consegue ver, menos ele consegue fazer! Paul passa grande parte do livro inerte e sem a possibilidade de alterar o rumo do barco que navega, quase como um expectador de sua própria vida e não como protagonista. Paul sabe das desgraças que estão por acontecer e mesmo assim ainda caminha em direção a elas. Lógico que existe a leitura que ele “escolheu o sacrifício” mas, sobre isso, falaremos em breve.
A trama de “O Messias de Duna”
“Aqui jaz um deus caído…
Sua queda não foi pequena.
Nós construímos apenas seu pedestal,
Um pedestal alto e estreito.”
– Epigrama Tleilaxu
Ao contrário da trama de seu antecessor, que era – falando de forma simplista – um caminho do herói “básico”, uma história de crescimento da criança se tornando adulto, “O Messias de Duna” gira basicamente em torno das maquinações e estratagemas que os inimigos de Paul – As Bene Gesserit, os recém apresentados Bene Tleilax e a Princesa Irulan – para não perderem a linha genética dos Atreides, derrubarem o Imperador e ganharem poder.
Ao final de Duna, Paul se casa com a Princesa Irulan a fim de garantir seu lugar como Imperador, porém mantém este casamento apenas em nome, pelo interesse político, não mantendo qualquer relação com ela e tendo Chani como sua verdadeira esposa. Quando são secretamente administrados anticoncepcionais na comida de Chani, impedindo-a de dar um descendente a Paul, a trama se aprofunda. Paul temendo pela vida de sua amada negocia com as Bene Gesserit algo muito valioso.
Chani acelera uma gravidez através do extremo consumo de Especiaria, resultando no nascimento de gêmeos e na própria morte durante o parto. Obviamente os Tleilaxu oferecem para revivê-la como uma Ghola, agora que descobriram um modo de criarem “cópias perfeitas” através do experimento que fizeram com Duncan Idaho. Algo que Paul recusa, argumentando que existem coisas que não se pode mudar. Aqui Paul retoma as rédeas de seu protagonismo “escolhendo o sacrifício” em prol de um bem maior e, “de quebra”, não ficar a mercê de ninguém.
Esta recusa de Paul fala diretamente com os temas; tanto da morte, quanto do “destino trágico”, talvez devolvendo o protagonismo de Paul dentro de um caminho sem saída. Uma leitura sobre a aceitação do inevitável, mesmo quando se é o Kwisatz Haderach.
Em paralelo a tudo isso, temos Alia, a irmã “pre-nascida” de Paul, que conhecemos rapidamente ao final de Duna, entrando na puberdade e descobrindo sua sexualidade. Isso se torna ponto importante da trama, quando a Reverenda Madre Gaius Helen Mohiam – atualmente encarcerada no Palácio de Arakeen – negocia com Paul seu sêmen. Paul aceitaria que as Bene Gesserit tenham acesso a seu material biológico em troca da vida de Chani. Obviamente a prole criada a partir desta “procriação animal” (inseminação artificial) nunca seria reconhecida por Paul e nunca chegaria ao trono imperial. A Princesa Irulan carregaria este feto, mas não existiria relação nem reconhecimento do filho. Neste momento a Reverenda Madre se questiona se ele aceitaria que Alia, sua irmã, participasse desta procriação incestuosa, visto que Alia também carrega a piscina genética dos Atreides desenvolvida através de gerações do programa de reprodução da irmandade Bene Gesserit, garantindo assim a preservação da linhagem.
O Profeta Cego
O arquétipo do “vidente cego” é tão antigo quando o tempo em si. É o personagem cego que ainda assim pode ver melhor que todos. A cegueira é constantemente associada a sabedoria e conhecimento; o sacrifício da visão tem como resultado um massivo ganho de conhecimento cósmico. Da Mitologia Nórdica, com Odin arrancando seu olho em troca de conhecimento à Grega, onde as Greias possuíam apenas um olho compartilhado entre as três ou ainda Tirésio que, após Hera tirar-lhe a visão, Zeus lhe dá o poder da profecia. A Justiça, em si, é cega!
Em “O Messias de Duna”, Paul perde sua visão quando sofre uma tentativa de assassinato enquanto andava disfarçado pela cidade. Através da cegueira ele percebe poder usar sua presciência para “ver”. Algo como “ver o futuro imediato afim de enxergar os arredores dele”. Habilidade esta que terá uma importância no desdobramento de uma das cenas finais da história, onde Paul consegue enxergar através dos olhos de seu filho recém nascido!
Em um primeiro olhar pode parecer que ele simplesmente “usava os olhos do filho como câmera”, mas existe outra camada de interpretação. Temos que lembrar que o Kwisatz Haderach teria a capacidade de acessar a memória genética de todo o lado masculino da árvore genealógica; algo impossível para as Bene Gesserit que só tem a capacidade de enxergar o lado feminino. Mas Paul, além do lado masculino do passado, é presciente e poderia assim acessar a memória que seu filho – também um pré-nascido? – estaria gerando naquele momento.
Esta não é uma ficção científica menor. Estamos falando de uma das maiores obras de um dos maiores autores de todos os tempos! Claro que a linha narrativa tentaria enrolar nosso cérebro em algum ponto…
Para finalizar Paul cede aos costumes Fremem, que devem entregar a água dos cegos para o deserto. Paul abandona tudo para vagar pelo deserto até sua morte, sendo assim lembrado como a divindade criada em cima de sua imagem. Retirando-se da história, Paul finalmente diz: “Agora estou livre”. Nenhum homem deve ser um deus, assim como nenhum deus deve ser governo.
Expandindo um Universo Enorme
“O Messias de Duna”, apesar de ter uma trama menor e mais contida, consegue expandir consideravelmente o universo que nos foi apresentado em “Duna”, ao mesmo tempo que serve como um “segundo final”, ou, talvez, um “final expandido” para o primeiro livro. Duna termina com um “final feliz”, mas Herbert quer nos mostrar que finais felizes são muito raros ou, simplesmente, temporários. Existe uma história após o final. O escolhido é realmente o salvador? Poderá ele ser, nos calçados de Imperador, um bom líder?
Juntamente com isso eles ainda nos introduzem os Bene Tleilax, um grupo secreto de humanos geneticamente alterados, criadores dos Gholas – Algo como clones mas não exatamente – que buscam um meio de acessar as memórias genéticas do corpo do qual o Ghola foi criado, afim de criar uma cópia perfeita. E assim o fazem através de Duncan Idaho e sua lealdade inabalável aos Atreides.
Um detalhe interessante é que eles não conseguem – neste ponto – recriar olhos, então eles colocam olhos mecânicos nos gholas. Fazendo uma ponte direta com a cegueira de Paul, onde os olhos podem não ser a melhor maneira de enxergar algo. “Seus olhos podem lhe enganar; não confie neles” já dizia Obi-Wan Kenobi em uma outra famosa série de Ficção Científica conhecida por suas inspirações em Duna.
Mas nem só de gholas vivem os Tleilaxu. Existem também os Dançarinos Faciais, assassinos e espiões com a capacidade de tomar a aparência física de outras pessoas, enquanto seus rostos parecem dançar enquanto a carne passa pelo processo de mutação. Não sendo nem machos nem fêmeas, os Dançarinos Faciais podem tomar a forma física sexual de quem estão copiando.
Pensamentos Finais
Vejo por ai muitas pessoas se referindo a “O Messias de Duna” como um livro menor, ou como “o pior da série”; e é fácil entender de onde vem essa argumentação. Mas vejo o porque Herbert tomou este rumo em sua sequência. Duna foi um livro enorme. E não estou falando de quantidade de palavras mas, sim, de sua influência. O escopo da história era grandioso. Aqui Herbert escolheu nos contar sobre as guerras de gabinete, os conflitos internos e as decisões que são tomadas na canetada enquanto toda a Jihad nos é mostrada através de relatórios e diálogos entre personagens. Este tipo de perspectiva que já havia sido explorado no primeiro livro quando vemos a invasão do Palácio de Arakeen através da narrativa de Alia, dentro do palácio, confrontando o Barão Vladmir Harkonnen.
“O Messias de Duna é uma ponte para Filhos de Duna”, é também um argumento bastante frequente. E por um certo ponto de vista, o é. Mas é muito mais que isso. “O Messias de Duna” é uma expansão do universo, uma exploração intima dos personagens e o começo de uma discussão que avolumar-se-á nos próximos livros: O cuidado que temos que ter com “lideres carismáticos”.
Resenha do livro “O Messias de Duna” em vídeo
E caso você queira me ver falando a respeito de “O Messias de Duna“, existe a possibilidade no vídeo abaixo.
Excertos Marcantes de “O Messias de Duna”
“A Carne se rende“. pensou. “A eternidade toma de volta o que é seu. Nossos corpos agitaram estas águas brevemente, dançaram com certa embriaguez ante do amor à vida e ao ego, enfrentam idéias estranhas e então se submetem aos instrumentos do Tempo. Que poderíamos dizer a respeito disso? Aconteci. Eu não sou… no entanto, aconteci“
Paul
Não importa quão exótica se torne a civilização humana, não importam os acontecimentos da vida e da sociedade, nem a complexidade da interface humano/máquina, há sempre interlúdios de poder solitário, quando o curso da humanidade, seu próprio futuro, depende de ações relativamente simples a cargo de indivíduos solitários.
– Extraído do Deusbuk Tleilaxu
O fraseado rebuscado do legalismo cresceu em torno da necessidade de ocultar de nós mesmos a violência que cometemos uns contra os outros. Entre privar um homem de uma hora da sua vida e privá-lo da própria vida, a diferença é apenas de grau. Vocês cometeram uma violência contra ele, consumiram sua energia. Eufemismos elaborados podem ocultar a intenção de mata, mas por trás de qualquer uso do poder sobre outra pessoa permanece o derradeiro pressuposto: “Eu me alimento de energia”
– Adendo às Ordens no Conselho, Imperador Paul Muad’Dib
O Messias de Duna
A expanssão de um, já enorme, universo
“O Messias de Duna” é uma expansão do universo, uma exploração intima dos personagens e o começo de uma discussão que avolumar-se-á nos próximos livros: O cuidado que temos que ter com “lideres carismáticos”.