Zona Morta – The Dead Zone, Stephen King (1979) – Resenha
A Zona Morta [The Dead Zone]! Vamos continuar a leitura da obra de Stephen King do começo ao fim em ordem cronológica de lançamento!
A Zona Morta é o quinto livro de Stephen King em ordem cronológica de lançamento. E durante a leitura pude notar diversas das ferramentas que King usou em seus quatro primeiros livros que fazem parte desta nova obra. Lugares pegando fogo, personagem protagonista com uma faceta da vida pessoal do autor… falaremos sobre isso mais a frente.
Sobre o que é a história?
Zona Morta conta a história de John Smith que, após um acidente que o coloca em coma por 5 anos, desenvolve poderes psíquicos e consegue ver coisas sobre uma pessoa ou objeto através apenas do toque e até prever o futuro. Smith enquanto relutante a respeito de utilizar-se de seus poderes é tentado por diversas vezes a fazê-lo; hora para salvar a casa em chamas da enfermeira que está cuidando dele, hora por um jornal sensacionalista que busca videntes para suas colunas semanais e hora para salvar o mundo da terceira guerra mundial.
A vida de Smith, jovem professor começando a se relacionar com a mulher de sua vida é completamente destruída em seu acidente. Após os 5 anos de coma, como poderá ele retomar sua vida se a vida que ele conhecia se foi? A mulher que ele ama, já se casou com outro e tem um filho, seu emprego não está mais disponível porque ele é “controverso demais”, sua mãe embarcou em uma viagem de extremismo religioso e por ai vai…
Paralelo a história de Smith, temos a ascensão de uma figura política carismática que ele tem completa certeza de causar a terceira guerra mundial. Ao contrário das outras pessoas, Smith realmente sabe o que acontecerá devido seus poderes. O que ele deverá fazer?
Matando o Bebê Hitler
Quando Smith tem contato com Stillson em um comício ele consegue ver que Stillson crescerá politicamente e se tornará presidente. Esta presidência causará a temida terceira guerra. O que fazer quando se tem certeza do futuro?
Aqui King aborda um tema muito recorrente na ficção científica: Voltar no tempo e matar o bebê Hitler antes que ele tornasse uma figura política importante, evitando assim todo o mal que seria causado durante a Segunda Guerra Mundial. A grande discussão aqui gira e torno da moralidade de tal ato; estamos falando de infanticídio no final das contas! Devemos punir uma pessoa por algo que ela ainda não fez? Uma pessoa é culpada pelo seu potencial de causar o mal?
É a velha discussão se “o fim justifica os meios”. Devemos abandonar nossos conceitos morais afim de atingir um objetivo “a qualquer custo”? É a velha discussão se “o fim justifica os meios”. Devemos abandonar nosso compasso moral afim de atingir um objetivo “a qualquer custo”?
De Jornada nas Estrelas a Philip K. Dick, este tema já foi abordado de todas as formas possíveis. Esta foi a vez de Stephen King subir no ring. Divertido notar que King coloca Smith tentando escrever seu primeiro livro, uma ficção científica, com exatamente este tema.
Quando Smith não vê outra solução senão matar Stilson, ele se dirige a outro comício para executar seu plano. O conflito interno de Smith é claro, afinal de contas ele se tornará um assassino. Mas naquele momento, o meio parece um mal menor que o fim. Ele cometer assassinato contra uma terceira guerra mundial.
Como sempre King consegue nos surpreender. Num emaranhado de eventos, Smith se atrapalha e Stilson tem a chance de pegar uma criança e utilizá-la como escudo humano afim de se proteger. A imagem publica de Stilson estava destruída. Um suicídio político. Greg Stilson não será mais presidente e o objetivo de Smith foi atingido.
Personagens da Zona Morta
John Smith
Acredito que a principal característica para a construção de John Smith, é justamente seu nome. John Smith é simplesmente um dos nomes mais comuns nos Estados Unidos. Isso coloca Smith como sendo “qualquer pessoa”. Todos nós poderíamos ser John Smith.
Ele é um cara normal, com um emprego normal e uma vida normal; e um acidente muda sua vida do dia para a noite. Como pode acontecer com qualquer um de nós. Obvio que nem todos nós ganhamos “superpoderes” quando sofremos um acidente mas… você me entende…
Dentro desta normalidade, Smith encontra-se anormal. Sem lugar para si. Seu mundo foi roubado da frente dele. Ele encontra-se em uma situação impossível e tem que lidar com ela com a moral humana mediana que todos nós temos.
Smith, dotado de seus novos poderes, pode fazer o bem ou o mal. Só dependendo das atitudes dele. Mas quanto é “poder demais” para uma pessoa? Mesmo com boas intenções podemos causar o mal? Podemos nos tornar o monstro que tentamos combater?
Greg Stillson
Logo de cara é declarado que Stillson será o “Vilão” da história. Nosso primeiro contato com ele se dá ainda no começo da carreira dele, quando era um “vendedor de porta em porta” de bíblias. Em uma das tentativas de abordagem, Stillson se depara com uma casa vazia, sendo recepcionado apenas pelo cachorro. Stillson não contente com a presença no animal, mata-o a chutes, em uma cena completamente crua e brutal. Quando nem por um cachorro este cara tem empatia, boa coisa não podemos esperar.
A carreira de Stillson se desenvolve paralelamente a vida de Smith. Enquanto um desenvolve e aprende a viver com seus poderes, o outro conquista poder e influencia política. Um detalhe interessante a respeito de Stillson, apesar da completa falta de empatia que ele possui, é sua perspectiva sobre suas próprias ações. Ele realmente acredita que tudo que ele faz, por mais moralmente condenável que seja, é certo. Em ponto algum Stillson se julga errado pelos meios escusos os quais ele se utiliza para atingir seus objetivos.
Ao final do livro, no comício que Smith decidir matar Stillson, ao se ver ameaçado esconde-se atrás de uma criança – utilizando-a como escudo humano –, colocando mais um tijolo na estrutura fundamental da criação de “personagens maus”: Vilões não podem gostar nem de cachorros, nem de crianças. A história de Stillson começa com ele matando um cachorro, e termina com ele colocando em risco a vida de uma criança. Um Vilão do começo ao fim.
As Ferramentas do Rei
Incêndio
Desde seu primeiro livro publicado, Carrie, Stephen King sempre utiliza-se de um incêndio como ferramente narrativa. Do incêndio no ginásio do colégio em Carrie, A cidade de Salen’s Lot em A Hora do Vampiro, O Hotel Overlook em O Iluminado até uma bomba atômica em A Dança da Morte. Zona Morta tem não apenas um, mais dois incêndios! E o próximo livro chama-se “A Incendiária”…
Avatar de King
Outra ferramenta que King se utiliza com frequência é de colocar um avatar de si mesmo nos livros. Não necessariamente é uma cópia exata dele, mas uma ou duas características de sua vida particular em um dos personagens. King já nos entregou dois escritores: Ben Meyers e Jack Torance em A Hora do Vampiro e O Iluminado, respectivamente. Em A Zona Morta, John Smith está tentando escrever seu primeiro livro. Smith era um professor, tal qual King fora antes.
“E eles nunca mais se viram”
Este tipo de afirmação King utiliza afim de nos preparar para algo. Ele cria uma expectativa para depois nos surpreender! Em A Dança da Morte, King se utiliza desta ferramente para colocar duas personagens que não se encontrariam novamente e, pela maneira como King escreve, imaginamos que um morreria, quando na verdade é o oposto.
Aqui ele usa para descrever que Smith e sua namorada Sarah não se veriam por 5 anos, nos passando a sensação que eles simplesmente não se encontraram novamente “porque o encontro não deu certo”, quando na verdade Smith sofre o acidente que mudaria sua vida.
O Multiverso de Stephen King
Não é segredo que Stephen King adora criar ligações entre seus livros, criando um “universo compartilhado” entre eles. Aqui estão os “easter eggs” que encontrei enquanto lia A Zona Morta
- Castle Rock – Esta é a primeira aparição da cidade de Castle Rock – e um de seus personagens – no universo de Stephen King. Para quem pretende ler todas as histórias envolvendo a cidade, A Zona Morta é leitura obrigatória.
- Flagg Street – É citada uma Rua Flagg, referenciando Randall Flagg, que já apareceu em A Dança da Morte.
- Carrie – Uma personagem pergunta se os poderes de Smith são “iguais a da menina daquele livro Carrie”. Aqui o livro de King existe dentro do universo ficcional.
- A Hora do Vampiro – Os Martens estão enterrados no Cemitério Bursters. O mesmo cemitério que Johnny é enterrado.